terça-feira, maio 24, 2005

Relativamente aos conteúdos e organização da prática, em que medida se está a treinar bem?

Na minha opinião está-se a treinar bem na medida em que cada vez mais se sente vincada a noção de que o desporto infantil é uma etapa de um longo e complexo processo de formação de um indivíduo/atleta. Assim sendo, são inúmeras as variáveis e, nomeadamente, a interrelação dessas variáveis, que os treinadores consideram e ponderam aquando da distribuição de conteúdos e organização da prática.
O aspecto lúdico acaba por estar sempre presente, em todas as partes do treino/aula, independentemente do objectivo específico exigido. Tudo pode ser um jogo, desde que se consiga "jogar" com os critérios de sucesso de cada exercício consoante aquilo que se pretende (pontuação para a eficiência e para a eficácia de execução, para a prestação técnico-táctica individual, para a prestação técnico-táctica colectiva, para a prestação física, etc.).
O próprio jogo (condicionado ou não) tem sido um conteúdo priveligiado pela variedade de estímulos que oferece.
Pelo estado de desenvolvimento da cr/jovem também se tem verificado uma cada vez maior e mais fundamentada preocupação ao nível do domínio físico (preocupações ao nível da postura, reforço, relaxamento, conhecimento do próprio corpo, etc.) e são cada vez mais os exercícios com estes objectivos, bem como os circuitos de coordenação presentes no desporto infantil. Dada a plasticidade do sistema nervoso, para além da noção de conduzir a prática do mais simples para o mais complexo, do menos para o mais e do menos para o mais exigente, a variedade de estimulação (exercícios distintos e com objectivos distintos, critérios de sucesso e de execução distintos, variantes de espaço, tempo, posturas, reacções, etc) também tem sido tida em conta.
A noção de que os níveis de prestação dependem da interrelação de inúmeros domínios que num momento contribuem com um determinado peso e com uma determinada prontidão do indivíduo obriga o treinador, cada vez mais, a olhar e sentir a individualidade da cr/jovem no sentido de saber o quê e como conjugar os conteúdos e organizá-los de modo a conseguir uma progressão cada vez mais sólida, mas sempre aberta. Por isso, tem visto cada vez menos treinadores a preocuparem-se com o tempo dedicado à técnica, à táctica e ao físico. Vejo mais treinadores preocupados na forma de como poderão trabalhar esses domínios de modo separado ou em conjunto de modo a potenciar esses domínios para prestações futuras, sem nunca retirar prazer e sucesso à cr/jovem.
A necessidade de cada vez mais e melhor a criança compreender aquilo que está a fazer, bem como os respectivos objectivos, de modo a que se consigam elevados níveis de auto-estima e auto-confiança, também incentiva à responsabilização daquela no processo. Os critérios impostos para cada exercício têm contemplado isso mesmo. Além disso, existem outras formas (ex:
modelo de educação desportiva) em que a responsabilização individual e colectiva aparece vincada sob vários parâmetros de intervenção desportiva (arbitragem, gestão, etc.) e na qual a cr/jovem se poderá sentir mais confiante.
Na minha opinião a motivação intrínseca é o motor para tudo, seja cr/jovem ou adulto. Como tal, descobrir esse "botão" a partir do desenvolvimento de um autoconhecimento e conhecimento dos outros, é a chave para o sucesso na condução do desporto infantil, juvenil ou adulto. As bases ao nível da escolha de conteúdos e de organização estão mais ou menos definidas (pelos estudos científicos elaborados), importa é saber "temperar" esses conteúdos e organização de modo a manter a cr/jovem motivado para aprender, participar e continuar, cada vez mais e melhor (consigo próprio e com os outros).
Para se treinar melhor é, antes de mais, necessário conhecermo-nos melhor e conhecermos melhor os outros.


Ana Rita Gomes

2 comentários:

Cláudia Malafaya disse...

Gostei do texto da Rita. Fiquei com a ideia de que ela aponta um caminho, que será o seu e o dos treinadores competentes. Só não percebi se essa é a cor com que se pinta o quadro do treino com jovens. Para se treinar bem é necessário determinar com rigor a extensão da herança dos “misteres”. E para se treinar bem é urgente intervir no processo de formação contínua dos treinadores. Mas concordo com a Rita: Para se treinar melhor é, antes de mais, necessário conhecermo-nos melhor e conhecermos melhor os outros.

Miguel Pinto

Cláudia Malafaya disse...

Felicito a Ana Rita Gomes pela sua intervenção. Transmite muito entusiasmo, optimismo, convicção e sentido de responsabilidade.
Suponho que a tendência seja no sentido de o que se está a fazer ao nível do treino, particularmente ao nível do desporto infantil, seja cada vez melhor. Assim o espero!
O que me parece, e que lamento bastante por considerar não ser uma situação isolada, é que continuam a existir treinadores dos escalões mais jovens, que diferenciam de tal forma os atletas que os separam em grupos de nível e os considerados menos aptos naquele momento para a competição são "encostados para canto". Como se isto não chegasse, durante o treino, estes - os considerados menos aptos, limitam-se a executar as tarefas indicadas pelo treinador, que são iguais para todos e que estão basicamente associadas à exercitação das habilidades técnicas "a seco", como se este fosse o objectivo último a perseguir. São quase que remetidos para a indiferença.
Com certeza, imaginam facilmente o que sentem estes jovens. Não há motivação intrínseca que resista perante a indiferença!!!
Não existe supervisão, regulação e intencionalidade de acção que vise contribuir para o processo de formação deste "outro" grupo de jovens.
Será esta situação que vos relato uma excepção? Ou será que situações deste tipo são mais frequentes do que julgámos?
Penso que isto acontece devido ao excessivo peso que alguns treinadores atribuem aos resultados obtidos na competição e que, segundo ouço, não devem ser tão poucos assim. Desde pequenos, e numa etapa que a meu ver deveria ter como objectivo prioritário a formação, os jovens têm que ser ganhadores senão são excluídos ou convidados (consciente ou inconscientemente) a sair.
Estarei a ser pessimista? Talvez! Vejam isto como um outro desabafo...
Para avaliar se se treina bem, penso que é fundamental conhecer bem esta realidade: quem são os actores, o que fazem, como fazem, porque o fazem, ...
Penso também, ser fundamental que se invista na formação de treinadores, que se promova a partilha de experiências e que se clarifique junto de todos os intervenientes o que se pretende que seja o desporto infantil.

Cláudia Malafaya