terça-feira, maio 24, 2005

Como tratar a questão da especialização numa modalidade desportiva e especialização funcional (posto ou prova específica) nestas idades?

Em primeiro lugar algumas clarificações:
-além da EF sempre estive ligado à formação em Basquetebol, desde o Minibasquetebol aos Cadetes, tanto no Desporto Escolar como no Federado. É pois nesse âmbito que me pronuncio, reconhecendo que noutras áreas desportos existem especificidades diferentes. Sou um autodidacta interessado pelas questões práticas e teóricas do ensino dos desportos colectivos.

1- Clarificação de conceitos. Entendo desporto infantil no sentido de desporto praticado em idades pré-púberes e desporto juvenil o praticado em jovens que passaram a puberdade.
-Falo de práticas desportivas para além da EF obrigatória e extensiva a todos os alunos. Os âmbitos dessas práticas podem ser o Desporto Escolar e posteriormente o Desporto Federado devendo ambos, nestas idades, cumprirem os mesmos princípios.
-Concordo com os autores que propõem uma fase multidesportiva antes de se entrar em qualquer especialização num desporto colectivo concreto, como o basquetebol. Dos oito aos 9/10 anos penso estar o momento dessa fase de formação multidesportiva. Não se aprenderia um desporto mas sim vários desportos de uma forma transversal, desenvolvendo os seus princípios tácticos mais básicos e gerais e desenvolvendo a motricidade de base que esses princípios tácticos e os jogos vão solicitando.
-Antes dessa fase Multidesportiva, penso que não se deveria falar de desporto mas de formação motora lúdica muito variada. (sistematizada entre os 6/7 anos).
-Precedendo a puberdade (10/11, 12 anos) penso ser o momento para passar à aprendizagem sistemática de um desporto colectivo (sem prejuízo da eventual prática complementar de outro desporto, o que se torna temporalmente difícil). É esta, na minha opinião, a fase de iniciação num desporto específico que deve estar basicamente cumprida antes da puberdade. Nesta fase, dentro de um desporto concreto, não deve haver especialização funcional por postos. Todos os alunos devem aprender: as regras fundamentais da modalidade; os valores desportivos, os hábitos de treino e de comportamento; os princípios tácticos básicos ofensivos e defensivos da modalidade (nas 3 situações básicas de atacante com bola, atacante sem bola e defesa) e as técnicas básicas necessárias ao desempenho nas situações de jogo.
-Após essa fase de iniciação em que se aproveita a fase pré-púbere surgem as grandes transformações da puberdade que criam dificuldades por um lado mas também abrem muitas potencialidades. Por um lado morfologicamente há as grandes transformações que sabemos. Daí decorre a necessidade de consolidar/aperfeiçoar/desenvolver os hábitos/técnicas motoras aprendidas anteriormente. Por outro lado a capacidade de autonomia, de responsabilidade e de pensamento abrem campos de desenvolvimento novos a explorar. (não esqueço obviamente as dificuldades, as inseguranças e os problemas que aparecem por essas alturas e que devem ser geridos com muito cuidado.)
É uma fase que eu consideraria de polivalência funcional dentro dos desportos. Dou o ex. do Basquetebol. Sabemos que os postos no ataque, pesem diferentes sistematizações, se distribuem por bases, extremos e postes. Eu penso que todos os jogadores devem passar, nos treinos e nos jogos, pela experiência de todas estas posições (através de dispositivos e formas de ataque que os permitam) de modo a perceberem as exigências e as competências de cada um destes postos. Esta forma de ver as coisas pode não dar os resultados imediatos melhores em termos de resultados dos jogos e campeonatos, mas penso ser muito melhor para a formação dos jogadores. Especializar unicamente um jogador a poste no escalão de cadetes só porque ele é o mais alto da equipa nesse momento pode estar a coartar-lhe hipóteses futuras como jogador. (Estamos no tempo dos bases grandes). Por outro lado os jogadores mais pequenos perceberão melhor as funções dos extremos e postes se passarem por lá temporariamente em treino e em jogos.
E acabaria por aqui.
Nota geral: Fazer aprender bem, com paciência, apoiando as crianças jovens, motivando-as, responsabilizando-as, aí estão algumas das chaves, como disse a Rita, da boa formação desportiva.
Uma outra grande “chave” a produzir colectivamente é a de um “currículo” (o caminho) desportivo colectivamente construído em função da caracterização dos públicos com que trabalhamos e que responda às seguintes questões:
Objectivos; fases; conteúdos; estratégias de ensino, situações de ensino e avaliações… e que sobre cada uma das opções as fundamente racionalmente.
P.S. Em Portugal nos desportos colectivos o que penso acontecer é que ou as crianças ou são muito cedo especializadas na prática de um desporto e depois dentro dele num posto específico, ou começam muito tarde perdendo fases muito importantes nessa formação.

Henrique Santos

2 comentários:

Anónimo disse...

A necessidade de demarcar os conceitos e a necessidade de precisar os contornos dos contextos de prática são fundamentais para o desenvolvimento de uma discussão, para não cairmos no logro de um entendimento superficial e unidimensional da prática desportiva mesmo nas idades infantis.
Uma orientação da prática desportiva para o rendimento competitivo em meu entender não deve esgotar a oferta desportiva seja em que idade for, mas ela tem toda a legitimidade de existir e diria mais a necessidade de existir. O que quer dizer que necessariamente que ela em algum momento tem que começar a emergir, a lidar com questões de diferenciação, selecção, especialização (que confusões, atropelos e erros de concepção tem havido aqui, que boas respostas e possíveis alternativas?).
O Henrique avança com notas importantes para este debate no que respeita a âmbitos de prática, atitudes, normas, valores e cuidados na formação de treinadores.
Podemos olhar para tudo isto de vários lados e sob diversos prismas, tanto a partir de experiências concretas (como praticantes, pais, professores, treinadores, espectadores...) como a partir de uma reflexão mais conceptual.

Anónimo disse...

A resposta do colega Henrique toca em muitos dos pontos relativos à minha questão e parece que estamos em sintonia. No entanto, a experiência que tenho no treino de jovens (desporto escolar - basquetebol, voleibol, futebol e desporto federado - voleibol de praia e indoor) tem-se revelado coerente no que se refere à diversidade de "timings" e de "qualidades" de estados de prontidão das crs/jovens.
É muito usual ter uma atleta mentalmente "pronta" para assumir qualquer desafio (no treino e no jogo) - desafio este enquadrado nas suas potencialidades -, mas faltam outros argumentos (físicos, técnicos ou tácticos). O contrário também é muito frequente.
E quando é que surgem? Só com trabalho? E o mental? Só com trabalho?
Apesar de procurarmos um possível controlo das variáveis desse treino multilateral e multilateral específico, escapam-nos tantas outras variáveis e, nomeadamente, o peso da sua relação com as restantes a curto e longo prazo. Por isso, um conhecimento profundo do atleta parece ser fundamental... estimular de forma diversificada de modo a promover sempre o desenvolvimento harmonioso da cr/jovem... a especificidade nunca foi antagonista da multilateralidade, é apenas parte dela! As minhas atletas (voleibol - cadetes, mas muitas com idades de iniciadas), assumem uma posição específica no jogo porque quando treinam (nas várias posições e todas assumem todas as funções) acabam por sentir mais sucesso (mais confortáveis) numa determinada zona e numa determinada função. Sabem que a equipa rende mais se elas jogarem assim. Mas isto não é fixo ao longo da época porque, há treinos em que elas (e eu) consideram que no momento se sentem melhor a fazer aquela zona e com a respectiva função.
Deste modo, conseguir oferecer sempre no treino estímulos variados, dentro de uma determinada especificidade, acaba por ser importante. Tanto o atleta como o treinador apercebem-se das mudanças e vão gerindo de modo a nunca fechar as "portas" do rendimento do jovem na própria ou noutra modalidade.

Ainda continuando este raciocínio, mas "pegando" no desporto escolar, reforço ainda mais esta ideia. De facto, há muitos atletas federados noutras modalidades que facilmente se adaptam a uma nova modalidade - DE - porque foram desenvolvendo argumentos (mentais, físicos e técnico-tácticos) e/ou porque conseguiram retirar mais prazer nessa prática. Acabam, depois, por procurar essa modalidade federada. Não será a especificidade precoce, com certeza, que os limitará de atingirem os mais elevados níveis de rendimento.

Outro aspecto que me lembrei agora, tem a ver com outros casos que surgem frequentemente - atletas que iniciam no DE e depois procuram um clube.
Pois é, as atletas que me surgem no clube e vêm do DE são fantásticas. Inicialmente parece que a distância a nível técnico-táctico é difícil de recuperar. No entanto, depois, por vários motivos (que gostava de saber quais) - força de vontade, concentração para aprender e chegar ao nível das outras, humildade, perseverança (sei lá) - acabam por revelar uma atitude em treino e jogo que se torna num modelo. Por esse motivo, facilmente "apanham" as outras e ultrapassam-nas... também não necessitou de multilateral específico nas idades iniciais...

Realmente aquilo que cada um é, a forma de como se vê, aquilo que consegue transmitir, são dados preciosos para se encaminhar qualquer processo. Há que ter a sensibilidade para os perceber, recolher, tratar e partilhar...